Aldir Blanc
Edital nº 019/2020: Projetos Culturais

PROJETOS CULTURAIS 3
Projetos grande porte

Classificado 18º Selecionado 48,00 pontos Premiação R$ 25.000,00

  • Samba das Mulheres

    Proponente: Lívia Barros Martins Pereira

  • O projeto nasceu do desejo de ver e ouvir mulheres ocupando lugares físicos e simbólicos,como as tradicionais rodas de samba que podem ser identificadas tradicionalmente como espaços majoritariamente masculinos.As consequências estéticas e sociais da supremacia masculina nesse contexto podem ser identificadas na objetificação da mulher em letras e no arquétipo da roda:mesa composta por homens com mulheres cantando e dançando ao redor.Bruna Prado, cantora e pesquisadora da UNICAMP que investiga questões de gênero e poder na MPB,argumenta que existe uma separação entre cantores e músicos(instrumentistas, compositores e arranjadores).Para ela o termo delimita as funções entre os que usam o próprio corpo pra fazer música e os que usam instrumentos ou escrita:enquanto o canto é associado ao dom, aprendizado mimético e talento natural, o aprendizado de um instrumento e composição costuma estar relacionado às atividades intelectual e técnica.Até aí os aspectos supracitados poderiam atingir ambos gêneros,já que existem tanto cantores e músicos quanto cantoras e musicistas.Mas para a pesquisadora a questão passa a ser de gênero dada a predominância de cantoras em contraponto ao predomínio de músicos homens.Premissa do projeto é a conscientização de que o protagonismo das mulheres sempre existiu em movimentos populares e rodas de samba e que a valorização e promoção do mesmo contribuiria para que a presença da mulher no fazer musical não se restringisse ao canto ou dança mas também se estendesse a funções associadas à atividade intelectual.Como diz o samba de Manu da Cuíca e Yayá Alves“Não é de hoje/não é de agora/o samba vem de dentro e a mulherada não está de fora”as mulheres sempre tiveram papéis importantes no samba.Mas é preciso reforçar tais figuronas pois apesar de suas contribuições incontestáveis fazer samba continua sendo atividade majoritariamente masculina e quando há mulheres instrumentistas numa roda não raramente estas são vistas com estranhamento.O projeto ganhou novo impulso a partir do evento“21 Dias de Ativismo pelo Fim do Racismo e da Violência Contra Mulher”que mobilizou diversas instâncias da sociedade civil em prol do debate e da conscientização contra a discriminação de gênero e violência contra mulher.Na ocasião,apresentando a roda como Samba-Manifesto,assumiu-se o samba pautado nas lutas das mulheres e na construção de representatividade e protagonismo.Passaram pelo projeto grupos com longa trajetória na música e nasceram dele novos grupos.O projeto recebeu mulheres de diferentes classes sociais,profissões e experiências;produziu alianças e parcerias que reafirmaram militâncias negras e LGBTQIA+ e produziu canções autorais que trouxeram para o centro do debate o lugar da mulher negra.Estabeleceu-se novo repertório com pauta atrelada à mudança do lugar da mulher no cotidiano e na roda de samba.A partir do projeto muitas mulheres se profissionalizaram e buscaram caminhos de resistência, produção e organização de sua arte e música.
    Conforme já apresentado, a roda de samba é um espaço tradicionalmente constituído por homens. Promover uma roda de mulheres por si só configura uma mudança de paradigma, uma nova forma de olhar, sentir e ver um fenômeno que permeia nosso imaginário. Quando se faz samba com mulheres não se modifica apenas o gênero que toca o pandeiro, o tantan e o cavaco, mudam-se também as temáticas dos sambas e as funções secundárias são substituídas pelo protagonismo. Mulheres que frequentavam rodas de samba tradicionais passaram a ocupar lugares de destaque e isso promoveu mudanças estruturais nos espaços e no âmbito das transformações sociais e pessoais conforme podemos inferir nos seguintes depoimentos: “Já cantava em rodas de samba há uns 28 anos. Muitas vezes fui a única mulher na roda. No Samba das Mulheres pude sentir que a roda de samba era minha.” Regiane Pomares, cantora. “Foi nesse contexto que ressignifiquei o que é tocar violão e estar em comunhão com outras pessoas numa roda de samba.” Helô Ferreira, violonista. “Pra mim foi uma experiência totalmente nova. Eu já tocava há algum tempo na noite mas nunca tinha feito samba com mulheres”. Lyan Silva, cavaquinista. “O samba das mulheres foi minha emancipação.” Bruna Moura, percussionista. Há uma máxima sussurrada em rodas de samba tradicionais que diz “ninguém entra sem ser convidado”. No Samba das Mulheres sempre havia um momento em que todas as mulheres presentes eram convidadas a entrar na roda pra cantar, tocar ou apresentar uma composição independentemente de seu nível de conhecimento musical. “Mostrei e ouvi pela primeira vez minha música com harmonia.” Raquel Ribeiro, cantora e compositora. “O samba das mulheres pra mim foi um grande exemplo e escola.” Gabriela Targat, percussionista. Outro aspecto é que em princípio o repertório costumava reproduzir o que era escutado em outras rodas de samba tradicionais, mas ao longo da construção identitária do movimento foram incorporadas composições de sambistas consagradas e compositoras mogianas. "Antes do samba das mulheres eu mal tinha referências de mulheres na música. (...) Hoje percebo que não conhecer essas mulheres (...) significa que eu não conhecia a mim mesma." Juliana Rodrigues, pianista. “Ressignifiquei a presença da mulher dentro do samba.” Bruna Oliveira, cantora. Além de por essência o projeto já representar uma mudança estrutural importante numa manifestação tão tradicionalmente masculina, ele tinha uma configuração única na região e envolvia pessoas de diferentes bairros da cidade e, até onde pudemos atestar, essa foi a única iniciativa longeva nesses moldes em Mogi das Cruzes e alto Tietê. “O Samba das mulheres nos permitiu mostrar a nossa essência, nos ligarmos com mulheres diferenciadas porém unidas num único segmento! Mostrar a nossa raiz. Pra mim o projeto mais importante do Alto Tietê e único!” Elci Souza, cantora e multi-instrumentista.
    Dentro da linguagem da roda de samba existe a figura do puxador, aquele que pede os tons para os instrumentos harmônicos e vai escolhendo o que cantar de acordo com o a resposta do público e o clima da roda. Essa função no Samba das Mulheres era partilhada entre todas as mulheres. Nos primeiros anos, tal função ficava mais concentrada em poucas que dominavam o conhecimento musical a respeito dos tons. Aos poucos, fomos percebendo que esse era um saber que precisava ser compartilhado porque gerava autonomia e possibilitava maior fluidez ao samba. Não ter um repertório pré-definido e escolher as músicas de improviso faz parte da tradição da roda de samba, mas isso exige vivência, conhecimento prévio e sensibilidade. Para as instrumentistas de harmonia, como violão, cavaco e piano, faz parte do "jogo" saber acompanhar qualquer melodia em qualquer tom e, aos poucos, fomos nos tornando capazes de realizar tal tarefa. Ainda sobre o aspecto da improvisação, o partido alto é um estilo de samba caracterizado por uma sequência harmônica com pouca variação, que funciona como uma base para a improvisação. Os partidos geralmente possuem uma estrutura de refrão que termina com um mote seguido por estrofes. Ao final, deve-se cantar versos de improviso, finalizando com o mote em coro. Ao longo da história do samba, as partideiras mais representativas foram as cantoras e compositoras Aparecida e Jovelina Pérola Negra. Inspiradas nelas, no Samba das Mulheres fomos nos encorajando a versejar e também improvisar nos partidos. Outro processo criativo presente no Samba das Mulheres é a composição autoral. Destaques para as composições “Conversa de Oxalá com Ogum”, de Raquel Ribeiro e “Que venha em mim” de Lívia Barros, canção que conquistou o segundo lugar no VI Festival da Canção de Mogi das Cruzes (2019).
    Ao todo foram realizadas 27 ações: 24 edições da roda de samba no período de março de 2017 a novembro de 2019 e 3 edições online em 2020. As edições online foram feitas no formato de lives no Instagram em que a idealizadora do projeto Lívia Barros recebia suas colegas de roda e novas convidadas. O formato virtual se deu por conta do isolamento social, medida para conter o contágio do novo coronavírus. Além das rodas de samba, o Samba de Mulheres também convidou grupos para se apresentar em suas edições, entre os quais destacam-se Sambadelas, Dona da Rua, Samba M, Descendo a Ladeira, Samba Negras em Marcha, Levante Mulher e Côco de Oya. Assim, estima-se em 60 o número de cantoras e instrumentistas que passaram pelo Samba das Mulheres em todas as suas edições. Já sobre a audiência, é estimado que mais de 2000 pessoas tenham frequentado as rodas no período de 2017 a 2019, sendo que cada edição tinha em média público de 80 pessoas. A roda Samba-Manifesto em março de 2018 teve um público estimado em mais de 200 pessoas e as três edições online no Instagram foram prestigiadas por uma média de 50 pessoas cada uma. Além disso, um dos impactos mais significativos certamente foi a rede criada por mulheres instrumentistas que se profissionalizaram a partir dos encontros em rodas de samba. A partir desse momento, muitas instrumentistas, cantoras e compositoras se viram diante da experiência profissional como protagonistas.
    “Assistir mulheres negras e periféricas posicionando-se contra violências machistas e racistas por meio de sua arte e cultura foi um alento para nossa luta cotidiana.” - Márcia Cunha - professora e ativista. Em Mogi das Cruzes destaca-se a presença do Samba das Mulheres nos bairros Vila da Prata (na Escola de Samba Águia de Prata) e Vila Industrial (Escola de Samba Vila Industrial). Reunindo artistas vindas de diversas localidades da região (como os municípios próximos Suzano, Poá, Itaquaquecetuba, Jacareí e São Paulo), a atuação do Samba das Mulheres estendeu-se além de seu município de origem: foram realizadas também apresentações em escolas públicas na periferia de Itaquaquecetuba. O diálogo periferia-centro também se dá na origem de suas participantes: além das já citadas localidades fora de Mogi das Cruzes, o Samba das Mulheres recebia musicistas vindas de Braz Cubas, Vila Jóia, Jardim Ivete e Nova Mogilar. Outro aspecto do projeto que propõe esse diálogo é a localização e acesso ao espaço em que o Samba das Mulheres era residente (o Casarão da Mariquinha). Situado no centro da cidade, este tinha fácil acesso por meio de transporte público, recebendo pessoas vindas de várias partes da cidade - tanto periferia quanto centro - além de pessoas vindas de localidades próximas como Poá, Jacareí, Suzano e zona leste de São Paulo. Outra característica importante desse espaço é a integração da população de rua que habitava a praça situada em frente ao local. Esta sempre foi não só bem-vinda como plateia mas também sempre convidada a participar como protagonista nos diversos eventos. Ainda sobre a premissa da inclusão social, sempre foi praticado um valor acessível para os ingressos de todos os eventos em que o Samba das Mulheres esteve presente.
    “O samba das mulheres é um marco na cena cultural mogiana por dar visibilidade e protagonismo para mulheres que acostumaram-se a ter papéis secundários nas rodas de samba tradicionais.” Márcia Cunha - professora e ativista. Pode-se destacar como ações afirmativas proporcionadas pelo Samba das Mulheres o acesso de mulheres a formação musical; a inserção de mulheres e pessoas LGBTQIA+ na cena musical; a criação de uma comunidade de mulheres sambistas; o fomento de discussões acerca da presença da mulher na música; a formação de novos grupos musicais de mulheres; o apoio a mulheres vítimas de violência; o fomento de discussões ligadas a causa LGBTQIA+; a descentralização do acesso a eventos culturais; o fomento de discussões acerca do racismo estrutural e o protagonismo de grupos sociais historicamente oprimidos. No que se refere a formação musical, o Samba das Mulheres propiciou a suas participantes um espaço de troca de informações e prática musical. “Antes do samba das mulheres eu mal tinha referências de mulheres na música. Não conhecia Ivone Lara nem Clementina de Jesus. Nunca havia parado para ouvir músicas de Leci Brandão ou Jovelina Pérola Negra.” Juliana Rodrigues - pianista e compositora. Em relação a inserção de pessoas LGBTQIA+ na cena musical, a contribuição do Samba das Mulheres dá-se pela diversidade das participantes, já que sempre foram presentes sexualidades e gêneros diversos. Sendo um evento regular, o Samba das Mulheres propiciou a criação de uma comunidade de mulheres sambistas que culminou na formação de diversos grupos que atuam e/ou atuaram também fora cidade. A exemplo os grupos Samba M, Dona da Rua e Samba das Minas. A criação de uma comunidade de formação e trocas entre mulheres musicistas fica evidente também pela presença do Samba das Mulheres em fóruns e debates. Exemplo é o evento “21 Dias de Ativismo pelo Fim do Racismo e da Violência Contra a Mulher” em que o Samba das Mulheres esteve presente. Evento multidisciplinar, abrangeu mulheres de diferentes vertentes artísticas bem como ativistas em prol da arrecadação de fundos para a manutenção de um abrigo de mulheres vítimas de violência e seus filhos sediado na cidade. “É uma forma de resistência, um exemplo vivo de que nós mulheres podemos ser quem quisermos e ocupar espaços definidos culturalmente como ‘lugar de homens’” Mari Mendes - professora e ativista.
    Por mais de dois anos o Samba das Mulheres foi presente mensalmente em diversos espaços da cidade de Mogi das Cruzes. Nas suas mais de 20 edições pôde-se ouvir um número aproximado de 60 mulheres. A primeira edição ocorreu em março de 2017. Lívia Barros - membra da comunidade artística do Casarão da Mariquinha desde sua fundação em 2014 e já presente nas rodas de samba semanais da associação cultural - convidou outras mulheres para compor a roda. A ideia foi muito bem recebida pela comunidade e a partir de então as mulheres tiveram um espaço garantido nas regulares rodas de samba do Casarão: ao menos uma das rodas semanais seria dedicada ao Samba das Mulheres todos os meses. As mulheres que apresentaram-se nessa ocasião consolidaram-se como grupo e a partir de maio de 2017 passaram a ser anunciadas como grupo residente. A esse, somavam-se convidadas de origens diversas, inclusive outros municípios. A roda de mulheres seguiu sendo realizada mensalmente até dezembro do mesmo ano. O projeto foi retomado em março do ano seguinte na roda intitulada “Samba-Manifesto” que encerrou a intensa programação de debates, militância e ativismo do evento “21 Dias de Ativismo pelo Fim do Racismo e da Violência Contra a Mulher”, que somou diversas instâncias da sociedade civil e ocorreu em vários pontos da cidade. Na roda realizada na quadra da Escola de Samba da Vila Industrial, mais de 50 mulheres reuniram-se para cantar e tocar sua história e suas conquistas sob o seu próprio ponto de vista. O evento propiciou muitos novos encontros e como consequência houve uma renovação das participantes residentes, que voltariam a se encontrar mensalmente no Casarão da Mariquinha até janeiro do ano seguinte. Em 2019, com o fechamento do local onde o projeto era residente (o Casarão da Mariquinha) o Samba das Mulheres passou a ocorrer menos frequentemente e com número reduzido de participantes. O projeto resistiu encontrando novos espaços como a quadra da Escola de Samba Águia de Prata, Canto de Cabocla e Bistrô Itapeti com edições nos meses de maio, junho, setembro e outubro. Em 2020 com a chegada da pandemia da covid-19 e a necessidade de isolamento social decorrente dela, o projeto manteve sua continuidade em lives realizadas no Instagram. Na roda de samba virtual, a idealizadora do projeto Lívia Barros recebeu quinzenalmente nos meses de junho e julho suas colegas já habituais com quem compartilhava o espaço da roda de samba nos mais de dois anos do projeto e novas convidadas, seguindo a premissa de agregar mais mulheres presente desde o início do projeto.
    LIVE EM HOENAGEM À LECI BRANDÃO - A live acontecerá via instagram, dia 14 de dezembro, às 20h com duração de 1h. Participação de Helô Ferreira, Elciene Souza, Vitória Moura e Lívia Barros. R$ 2.279,20; LIVE EM HOENAGEM À JOVELINA PÉROLA NEGRA - A live acontecerá via instagram, dia 15 de dezembro, às 20h com duração de 1h. Participação de Gabriela Targat, Lívia Barros e Fabiana Ribeiro. R$ 2.279,20; LIVE EM HOENAGEM À ELZA SOARES - A live acontecerá via instagram, dia 16 de dezembro, às 20h com duração de 1h. Participação de Bruna Oliveira, Leticiah Santos e Lívia Barros . R$ 2.279,20; LIVE EM HOENAGEM À IVONE LARA - A live acontecerá via instagram, dia 17 de dezembro, às 20h com duração de 1h. Participação de Bruna Oliveira,Lyan Silva, Regiane Pomares Leticiah Santos e Juliana Cardoso. R$ 2.279,20; LIVE EM HOENAGEM À ALCIONE - A live acontecerá via instagram, dia 18 de dezembro, às 20h com duração de 1h. Participação de Lyan Silva, Helô Ferreira, Ângela Caetano, Raque Ferreira e Alciene Souza. R$ 2.279,20. Público estimado para cada apresentação: 100 pessoas.
    R$ 11.396,00

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