Aldir Blanc
Edital nº 019/2020: Projetos Culturais

PROJETOS CULTURAIS 3
Projetos grande porte

Classificado 9º Selecionado 50,00 pontos Premiação R$ 25.000,00

  • ATRIZ BRINCANTE

    Proponente: Daniele da Conceição Santana

  • Abro esta escrita na tentativa de colocar em palavras o que se é possível em se tratando de algo que, ao ver, não se pode descrever em letras, o indizível é dito pelo corpo. Sou uma atriz brincante, atuo, danço, canto, brinco, evoco. Esta proposta é uma pesquisa de uma mulher de ancestralidade afro-indígena, que ao longo de 15 anos vem pesquisando e construindo um corpo de ATRIZ que atravesse a cena, o limite da técnica, as barreiras sociais, econômicas e territoriais, em busca da contribuição para a construção de um legado feminino na história do Teatro. ATRIZ BRINCANTE é uma síntese da pesquisa que tenho desenvolvido ao longo da minha trajetória no Teatro, que originou a elaboração de artigos, palestras, ações formativas, demonstrações de trabalho e uma obra solo. E que neste momento caminha na elaboração de uma tese de mestrado. A pesquisa “Atrizes e atores brincantes” se firma na concepção de um corpo que assume o momento cênico como um espaço do rito pessoal e coletivo onde a busca pela transcendência é vivida de modo a desafiar a percepção “crível” ou “visível” das possibilidades de relação e envolvimento entre criadores e espectadores. Este Projeto é o encontro entre o Teatro e a Cultura Popular especialmente do Brasil e traz o substrato da observação e da vivência com estas manifestações e suas conexões com os ritos sagrados e profanos. ATRIZ BRINCANTE é uma proposta de reconhecimento desta pesquisa e do potencial que ela carrega, como processo pedagógico teatral e como processo de treinamento, preparação e imanência de atrizes e atores. Esta proposta é um caminho, não se finda no conteúdo apresentado aqui, mas este “aqui” possibilita que novos passos sejam dados em direção desta busca, criando novos compartilhamentos. O que apresento como proposta prática para avaliação deste edital, são três ações que destaco nesta trajetória de 15 anos com este caminho de pesquisa: A Obra teatral “Cícera”: Obra que traz para o centro uma mulher nordestina afro-indígena que sai de sua terra em busca de oportunidades e melhores condições de vida. O trabalho é fundamentado na exploração prática desta pesquisa, trazendo na corporeidade, na dramaturgia, nas canções, na estética, e na temática os eixos da cultura popular brasileira. Trazendo também a discussão sobre analfabetismo, fome, exploração, invisibilidade e abandono. A Demonstração de Trabalho “Rito de Partilha”: tem como propósito olhar as camadas da construção de personagens, na busca por um corpo expressivo, presente, brincante. A oficina “Atores e atrizes brincantes”: Que traz elementos básicos da antropologia teatral como estudos das energias e do corpo extra cotidiano. As danças e cantos da cultura popular brasileira também são elementos explorados para a preparação física, vocal e poética dos aprendizes, na busca por uma criação que olhe para além dos eixos eurocêntricos comumente trabalhados no teatro.
    A pesquisa apresentada tem um olhar para a cultura popular brasileira, numa busca por uma criação teatral que se enlace com outras perspectivas da arte que não exclusivamente as desenvolvidas na Europa, como é tradicionalmente feito. Esta pesquisa busca nas nossas tradições substâncias para a preparação e construção de um corpo cênico que se conecta todo o tempo com as questões, do seu entorno, do seu povo. Não se trata de negar o legado eurocêntrico que até hoje nos serve com embasamentos altamente ricos, e sim de olhar para o como nosso país carrega inúmeros recursos culturais que constituem um corpo carregado de especificidades anatômicas, sociais, políticas, estéticas e históricas que inevitavelmente o torna diferente de outros corpos do mundo. Dentro deste prisma os 3 trabalhos que destaco para esta proposta carregam muito deste cuidado e valorização da nossa cultura popular. Mas o que o torna singular não é sua característica popular ou tradicional, mas a busca por tornar estes elementos tradicionais e populares em pilares técnicos e conceituais para a formação e o trabalho de criadores (as) do teatro. E que na construção deste caminho seja também valorizado e visibilizado o protagonismo das mulheres brincantes e da cena, expandindo um território físico, filosófico e pedagógico que ainda hoje é predominantemente habitado pelas práticas e pensamentos masculinos. “Cícera” - A obra propõe um olhar sobre o analfabetismo, a exploração, a fome, o desemprego, e a desigualdade. Apresenta uma mulher nordestina crítica ao seu tempo, que sabe de suas lutas e se resigna com retrocessos. Atravessado pela Cultura Popular brasileira, o trabalho se apoia nas tradições populares de Alagoas do “Guerreiro” e dos “Cantos de Trabalho”. A Tradição de Guerreiro é exclusiva de Alagoas e desconhecida por quase todo o país. Atualmente a brincadeira é feita em poucas cidades e com um número muito pequeno de brincantes. Desse modo, trazer na obra “Cícera” um pouco deste universo é também uma maneira de visibilizar e manter a memória desta manifestação e de seus brincantes. “Rito de partilha” -- Esta demonstração técnica se destaca por sua característica técnica, poética e teórica. No Brasil são poucos os grupos de teatro que fazem este tipo de trabalho. Na região do A.T meu grupo Contadores de Mentira foi o primeiro a desenvolver demonstrações técnicas, e eu fui uma das primeiras atrizes de Teatro de Grupo do Estado de fora da academia a desenvolver Demonstrações técnicas de trabalho. Oficina “Atores e atrizes brincantes”: tem como norte a partilha das pesquisas teóricas e práticas dentro do tema teatro e cultura popular. Partilha por meio de treinamentos teatrais conceitos e elementos da antropologia teatral e de manifestações populares. Outro fator que destaca estes trabalhos é seu percurso. Eles já foram realizados em instituições culturais, universidades, espaços culturais independentes e equipamentos públicos, no estado, fora do estado, e fora do país.
    Para a construção da obra “Cícera” eu e o diretor do trabalho Cleiton Pereira viajamos à Alagoas onde passamos 20 dias. Estivemos no Agreste do estado, onde passamos a grande parte do tempo escutando as mulheres destaladeiras de fumo. Vários dos relatos delas nos ajudaram na compreensão desta cultura nordestina alagoana e posteriormente serviu de alimento para a construção dramatúrgica e principalmente corporal da obra. Outro ponto elementar desta investigação em Alagoas foram as idas à Palmeira dos Índios à reserva indígena da Mata da Cafurna do povo Xucuru Kariri. Além do valor histórico e político deste encontro a experiência cultural foi extremamente rica e se tornou um pilar para a construção da obra. Ainda em Craíbas tivemos a oportunidade de assistir a uma apresentação de um grupo tradicional de Guerreiro, que também foi importantíssimo para o olhar estético do trabalho. Participar do brinquedo foi um importante momento de aprendizado. O processo da construção da demonstração de trabalho “Rito de Partilha” se deu mais centrado na sala de trabalho. Foi um momento de organizar materiais, teorias e pesquisas físicas. A necessidade de criar um trabalho tão técnico e de certo modo pedagógico trouxe também a oportunidade de criar mecanismos de exposição daquilo que é tão íntimo. Externamente para a elaboração desta demonstração também tomamos outras demonstrações de outras atrizes como inspiração, como as demonstrações das atrizes Julia Varley e Roberta Carreri do grupo dinamarquês Odin Teatret, das atrizes Ana Correa e do grupo Yuyachkani, da atriz Veronica Falconí do grupo Contraelviento do Equador e da atuadora Tânia Farias do grupo Ói Nóis aqui traveiz de Porto Alegre. Outro ponto crucial de aprendizado e pesquisa foi minha entrada na Rede Internacional de Mulheres do teatro The Magdalena Project. Foram muitos encontros de imersão entre mulheres criadoras, que durante dias estão inteiramente focadas na troca de experiências e saberes, compartilhando seus trabalhos, pensamentos e buscas. Para a elaboração da oficina “Atores e atrizes brincantes”, foram e são utilizados todos os meus anos de acúmulo em teatro e arte-educação. Para a construção desta oficina todos os mestres e mestras da cultura popular são vitais, tanto em corpo como em tese. Não se trata em nenhuma dimensão de aulas de dança ou canto, tampouco é um curso de “brincante”. O que é experienciado na oficina são os elementos base dessas manifestações, que passam pela dança e canto, mas que se firmam de fato na expressividade, no estado de presença. Muito dos estudos da antropologia teatral são utilizadas para a condução deste trabalho, portanto pesquisadores teatrais históricos como Jerzy Grotowski e Antonin Artaud, e pesquisadoras (es) contemporâneos como, Eugenio Barba, Julia Varley, Roberta Carreri, Gilberto Icle, Iben Nagel, Miguel Rubio, Patricio Aristizabal, Ana Correa, são alguns dos nomes que são referências para esta oficina e para a pesquisa num todo.
    Os impactos deste projeto são percebidos na esfera direta e indireta. Somando o público alcançado com as 3 ações chega-se a algo em torno de 1000 pessoas. Somando ainda as pessoas que colaboraram e colaboram para a construção e manutenção das ações temos mais umas 30 pessoas. De maneira indireta o impacto sai da espera específica do tangível, porque além das pessoas que são alcançadas de maneira virtual, sobretudo no momento de distanciamento que vivemos, que faz esse número subir muito, tem também o impacto que gera no processo formativo dos participantes que acabam também repassando este aprendizado e trocas, criando um efeito cascata na busca por mais informações sobre estes temas, contribuindo assim para a própria manutenção da existência destas ações e manifestações. Tem ainda a estima e valorização das mestras e mestres destes lugares tão desprezados politicamente, que defendem sua cultura quase sem nenhum apoio e que ao compartilharem seus conhecimentos com outras pessoas se fortalecem em seu fazer e em sua existência. Cícera estreou em maio de 2019 e realizou 11 apresentações. O Rito de Partilha estreou em 2016 e realizou 15 apresentações. E a oficina Atores e Atrizes brincantes acontece desde fim de 2017 e foi realizada 3 vezes no formato longo e 4 vezes no formato curto. Todas estas ações foram feitas até março de 2020 quando iniciou a quarentena por conta da Pandemia de Corona Vírus. Pós este período o material da obra e da demonstração seguiram sendo exibidos de maneira virtual. As atividades realizadas também têm impacto na esfera político/cultural da região. Há anos integro fóruns de política pública cultural na região do Alto Tietê e no estado, o que gera influência no trabalho artístico e consequentemente no seu posicionamento social. Minha presença nos fóruns de feminismo, feminismo negro, de política pública cultural para o Interior, e contra o racismo e toda forma de preconceito, também criou pontes de representatividade para outras mulheres negras e não negras, artistas e criadoras culturais. Participo de diversas ações que promovem e defendem a igualdade de direitos e a liberdade de pensamento e expressão, e estar nestes lugares também fortalece este pesquisa e como esta pesquisa se coloca em colaboração a estas frentes. Como mulher negra, ativista cultural, presidente de uma Associação de Cultura, gestora de um espaço cultural e atriz e pesquisadora acredito que os impactos deste projeto estão além das ações concretas, está também na figura representativa que é criada, onde outras figuras também são criadas ou fortalecidas conjuntamente.
    Por se tratar de ações que dialogam e estabelecem vínculos com a cultura popular, e na maioria das vezes, de povos que estão longe dos grandes centros, a escolha por fazer em locais descentralizados é sempre presente. Possibilitar o acesso também é uma preocupação permanente, por isso as ações sempre são pensadas de maneira a democratizar o acesso tanto geográfico quanto econômico. De modo que mesmo quando ocorrem em locais centrais é sempre um cuidado ser uma ação agregadora e ampla. Percurso da Obra Cícera: Sede do grupo ODIN Teatret – Holstebro - Dinamarca Galpão Arthur Netto – Mogi das Cruzes. Céu Gardênia – Suzano Fundação Cassiano Ricardo – São José dos Campos Teatro Flávio Império – São Paulo Arena das Artes – Maringá – Paraná CAT Jacarezinho – Paraná Centro Cultural de Mogi das Cruzes Ponto de Cultura Garapa – Piracicaba Associação Cultura Opereta – Poá Percurso do Rito de Partilha Universidade Central de Quito – Equador Sala Contraelviento Teatro – Quito – Equador Centro Cultural de Vivente Lopez – Vicente Lopez – Argentina Sede do grupo Odin Teatret – Holstebro – Dinamarca Studio Teatral – Santa Clara – Cuba Centro Cultural Mejunge – Santa Clara - Cuba Teatro Contadores de Mentira – Suzano - SP Galpão Arthur Netto – Mogi das Cruzes – SP Sede do grupo Bocaccione – Ribeirão Preto – SP Centro Cultural de Franco Morato – Franco Morato – SP CAC Walmor Chagas – São José dos Campos – SP Funarte – São Paulo – SP Oficina Cultural Alfredo Volpi – São Paulo – SP Centro Cultural Arte em Construção – São Paulo – SP Teatro Barracão – Maringá – Paraná Percurso da Oficina Atores e atrizes brincantes CPF – Centro de Pesquisa e Formação do Sesc – São Paulo – SP (duas edições) Teatro Contadores de Mentira - Suzano (duas edições) Galpão Arthur Netto – Mogi das Cruzes - SP Casa de Cultura de Santa Clara – Santa Clara – Cuba Centro Cultural de Ayacucho – Ayacucho – Peru
    Tomar nosso espaço como Mulheres do Teatro. E isso quer dizer: TRABALHO. (Julia Varley atriz, diretora e uma das fundadoras da Rede Internacional de Mulheres do Teatro The Magdalena Project) Nas 3 ações destacadas nesta proposta há a defesa e busca pela criação e ampliação do lugar de voz e protagonismo da mulher. Tanto na temática discutida na obra, quanto na elaboração e envolvimento de outras mulheres na feitura do trabalho. Artesãs foram convidadas como colaboradoras na construção do cenário. A pesquisa em Craíbas foi focada nas mulheres destaladeiras de fumo. A pesquisa teórica trouxe como referência mulheres pesquisadoras da cultura popular de Alagoas, atrizes da Latino América, mestras dos cantos de trabalho. Também há referência do mito das “Ykamiabas” as mulheres indígenas que viviam numa aldeia apenas de mulheres numa sociedade matriarcal. E claro, a própria “Cícera”, que é a mulher que tem sua história contada na obra. Na demonstração de trabalho e na oficina, que são dois polos formativos, é ressaltado a construção do legado feminino da mulher no Teatro, trazendo um olhar para a necessidade de cada vez mais termos referências femininas na história da arte. As 3 ações são integradas à Rede Internacional de Teatro The Magdalena Project, que luta pelo protagonismo e garantia de direitos e acessos da mulher no teatro. A continuidade e aprofundamento destas ações é também um ato de defesa e abertura de espaço, tendo em vista que como mulher negra habitar espaços de formação, pesquisa e escrita é ainda uma tarefa que passa por diversas barreiras. Inclusive escrever este projeto neste edital, em primeira pessoa, trazendo uma escrita fora dos padrões formais instituídos por uma estrutura de sociedade branca, patriarcal e hegemônica é também um ato de defesa e representatividade.
    Desde quando foram criadas, as 3 ações deste projeto, nunca pararam. Inclusive o principal ponto delas é a continuidade, o ato de seguir pesquisando, aprendendo e compartilhando estas descobertas. A cada apresentação realizada, a cada troca acontecida, cada bate-papo, novos horizontes são apontados e criados. A caminhada é exatamente o ponto alto desta pesquisa, que seguirá ininterrupta junto a meu processo permanente de aprendizado. Para 2021 já se apresentam novas possibilidades de compartilhamento deste trabalho, de criar novas pontes e novas travessias. É de interesse que um novo braço surja associado à educação. Uma das questões discutidas mais fortemente na obra Cícera, mas que também é tocada nas atividades formativas, é a questão do analfabetismo ainda existente no nosso país, muitas das mulheres e mestras que contribuíram nos estudos das manifestações populares brasileiras deste trabalho não tiveram a oportunidade de serem alfabetizadas, e isso é uma realidade presente também aqui em nossa região, sobretudo com mulheres mais velhas que hoje sofrem com os abismos criados por essa desigualdade de direito e oportunidade. Partindo deste fato, uma nova ação está sendo elaborada na tentativa de agir também nesta frente. Aspectos econômicos são sempre entraves para a ampliação das ações, no entanto a busca por fazê-las é sempre contínua.
    Duas (02) Apresentações online do trabalho: Rito de Partilha - Demonstração de trabalho. R$6.000,00; Um (1) bate papo virtual sobre “demonstrações técnicas de trabalho” com outros dois 2 convidados. R$1.500,00; Uma (1) oficina de nome “Atores e atrizes brincantes” com carga horária total de 8 horas. R$3.300,00.
    R$ 10.800,00

    Informações: 11 4798-6900
    E-mail: culturamogi@pmmc.com.br

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