Aldir Blanc
Edital nº 019/2020: Projetos Culturais

PROJETOS CULTURAIS 1
Projetos pequeno porte

Classificado 2º Selecionado 48,00 pontos Premiação R$ 5.000,00

  • "A Fantástica epopeia que não era"

    Proponente: Ernesto Otto Stock Filho

  • Inspirado em uma viagem de bicicleta realizada pelo autor, o livro “A Fantástica Epopeia que não era” é um romance ficcional que explora os limites dos relatos de viagem como gênero literário e aborda o papel da memória, em todas as suas dimensões, na construção de narrativas supostamente verídicas. O livro narra a história de três amigos que pretendem fazer uma travessia de bicicleta entre o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico, do litoral brasileiro até a costa chilena, passando pelo Paraguai e pela Argentina. A dimensão superlativa que atribuíam à viagem e a consequente supervalorização de suas próprias qualidades emprestam a trama um ar quixotesco, um tanto cômico, alardeando uma valentia que eles estavam longe de possuir. Logo depois da partida do litoral paulista, um acidente faz com que comecem a questionar as suas próprias limitações e as disposições para os heroísmos exigidos pela narrativa. Percebendo a impossibilidade de assumirem os papéis de protagonistas, resolvem buscar pelo caminho personagens que se predisponham a cumprir as funções necessárias para valorizar a história que sequer existia. Os novos personagens são incorporados ao grupo de ciclistas e, pouco a pouco, vão assumindo seus lugares na narrativa. Um velho pescador com problemas de saúde, que nunca tinha saído da ilha onde vivia, assume o lugar do capitão, após evitar um suposto naufrágio que impediria a partida do grupo. Uma cigana paraguaia que conhecem em um encontro de artistas de rua no Paraguai se candidata ao posto de rainha. Um andarilho argentino se transforma em um nobre em busca de sua filha, uma princesa desaparecida. E todos seguem viagem juntos, em busca de um lugar naquele mundo inventado, que só existe para dar sentido àqueles desejos. Além da memória e algumas das suas possíveis interpretações no campo psicanalítico e sociológico, a trama serve como pano de fundo para discutir a construção do conceito de heroísmo na sociedade contemporânea, sobretudo seu papel na elaboração de um imaginário coletivo e histórico. O Livro Concebido como um projeto independente, sem qualquer apoio ou financiamento, o livro foi publicado em julho de 2019 e teve sua programação de lançamento interrompida por conta da pandemia de corona-vírus. Foram seis anos de trabalho entre a ideia inicial e a impressão. A independência do projeto garantiu a escolha cuidadosa dos profissionais envolvidos, desde a revisão, editoração, projeto gráfico até a impressão, resultando em uma publicação dentro das mais exigentes expectativas. Inscrito na Câmara Brasileira do Livro sob o ISBN 978-65-900334-0-16 e catalogado na Fundação Biblioteca Nacional como ficção, Literatura Brasileira, pela bibliotecária Cibele Maria Dias, o livro “A Fantástica epopeia que não era”, tem sua versão final da primeira edição com 212 páginas.
    Concebido inicialmente como um relato de viagem tradicional, o livro foi, pouco a pouco, se transformando em uma ficção. Por vários motivos, motivos estes que talvez sejam apenas mais uma parte da história. Prestes a terminar a travessia, o autor teve seu diário de viagem roubado em uma LAN HOUSE em Salta, no norte da Argentina. De volta ao Brasil após chegar ao Pacífico, iniciou o projeto do livro. Com todas as anotações perdidas, teve que recorrer a memória dele e dos companheiros de viagem para finalizar o seu relato. Para sua surpresa, mesmo decorrido pouco tempo do fim da expedição, as memórias quase nunca convergiam. A descrição dos espaços e dos acontecimentos, sobretudo as interpretações, eram tão diferentes que ficava impossível afirmar qual deles eram verdadeiros. Ou se todos eram. A percepção de que a memória é capaz de inventar lugares e situações e elevá-los a categoria de verdades incontestes foi fundamental na reestruturação da narrativa. Dados sobre quilômetros percorridos ou lições de superação tão apreciadas em livros sobre expedições foram substituídos por impressões que só fazem sentido quando referenciadas em outras vivências e sentidos. O sentido passado do verbo sentir. O que fora sentido. A própria capa do livro é um bom exemplo. Criada por Andreza Teixeira, uma planta de um veleiro, em croqui, desenhado com giz sobre um fundo preto, faz referência a um “possível plano perdido” do filme Limite, filmado no Brasil em 1929, por Mario Peixoto. Como restaurador, o autor participou da restauração do filme em 2010. Após assistir à projeção da obra restaurada, o maior especialista no filme, Saulo Pereira de Mello, insistia que faltava um plano (unidade menor de uma cena) na versão final e que este deveria ser filmado novamente e incorporado a versão restaurada. Uma cena que se passava dentro de um barco. Desenhou a cena com giz branco, na tentativa de convencer a equipe de restauração. Refazer um plano, ainda mais sem nenhum outro registro, era inviável e fugia completamente do conceito do processo de restauro. Nenhum outro material continha a tal cena perdida. Um plano que não existia em nenhum outro registro, a não ser sua própria memória. É esse plano, um plano que a memória insiste em dar contorno independente da sua veracidade, único, que foi retomado na capa de “A Fantástica epopeia que não era” e sua simbologia permeia toda a narrativa. Outra particularidade do projeto é ter como cenário da história quatro países diferentes, o que possibilita explorar a riqueza cultural característica do cone sul da América do Sul. As diferenças e as semelhanças entre cada região. Toda essa pluralidade e a possibilidade de dialogarem dentro de uma mesma narrativa, interagindo, são fundamentais para o desenvolvimento da trama. Em tempos de tamanho determinismo e intolerância com o diferente, abordar a diversidade e, sobretudo, sua importância na construção de um mundo mais justo e democrático, é essencial.
    “A Fantástica epopeia que não era” é, desde a sua idealização, resultado de um processo imersivo e de troca com as diversas comunidades que servem como inspiração para caracterizar as personagens do livro. Foram muitas viagens, visitas e vivências no decorrer do processo criativo. Na primeira, a que inspira inicialmente a narrativa, foram cerca de quatro meses percorrendo de bicicleta diversas comunidades no Brasil, Paraguai, Argentina e no Chile. Pescando e convivendo com os caiçaras da comunidade de Marujá, na Ilha do Cardoso, acampando com o ciganos no Paraguai, convivendo com os Menonitas na Argentina, povos andinos no deserto do Chile. Além de essenciais na construção das personagens, as vivências tinham como objetivo pesquisar as narrativas tradicionais e a interferência da memória individual e coletiva na construção do imaginário e das dimensões do conceito de heroísmo em cada uma das comunidades. Um exemplo significativo neste sentido, utilizado na construção narrativa do livro e na personagem Julia, é a recusa de algumas comunidades ciganas em manterem registros escritos sobre sua própria história, abrindo margem para uma narrativa que se reconfigura constantemente através da própria memória do orador. As histórias individuais são reescritas através dos rituais funerários. Todos os pertences e a barraca do morto são queimadas para que não sobre nenhum outro testemunho que não seja a própria recordação que se ressignifica constantemente. Outro exemplo na direção oposta, e que também está presente no livro, é a tradição de algumas comunidades andinas comemorarem o “Dia do Mortos” promovendo grandes festas em homenagem ao falecido, acreditando em sua volta ao mundo dos vivos para partilhar com os familiares suas comidas e bebidas preferidas. O autor participou de uma festa em homenagem ao falecido Francisco Cruz, em Santo Antônio de los Cobres, na Cordilheira dos Andes. Após cantar suas músicas favoritas acompanhado de seus familiares, comer as comidas que ele mais gostava, beber o que ele bebia, era fácil construir um personagem pautado nestas referências. A possibilidade de se sentir íntimo de alguém que você sequer conheceu, reconstruindo uma trajetória de vida através das suas próprias referências, experiências e expectivas, é outro conceito que dialoga com a proposta do livro. Além das vivências, foram pesquisados e utilizados como referências relatos de viagens clássicos como o de Antonio Pigafetta, Marco Pollo (entre outros), livros supostamente memorialistas, como “Em Busca do tempo perdido”, de Marcel Proust, “ Viver para contar”, de Gabriel Garcia Marquez” e “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis (entre outros), além de livros teóricos sobre a construção narrativa, como “A Arte Poética”, de Aristóteles e “As Mil face do herói”, de Joseph Campbell.
    “A Fantástica epopeia que não era” foi lançado em Mogi das Cruzes em Agosto de 2019 e teve seu cronograma de lançamento de 2020 comprometido por conta da pandemia de corona-vírus. Nove pessoas participaram diretamente no processo de construção do livro, entre escritor, revisores, diagramadores, capista, ilustrador e gráfica. Estima-se que o número de pessoas atingidas pelos eventos de lançamento, palestras, oficinas e debates seja de, aproximadamente, 800 pessoas. Abaixo, listo algumas das atividades realizadas antes da interrupção: - Lançamento em Mogi das Cruzes na Livraria Estância dos Reis. Na ocasião, aconteceu uma conversa, com mais de 100 pessoas presentes, onde o autor debateu com a psicanalista Vivian Gonçalves o papel da memória nas construções narrativas. - Lançamento em Curitiba, na Bicicletaria Cultural, seguido de debate com o Psiquiatra e professor da PUC de Curitiba Renato Franco sobre memória e literatura. - Lançamento no Rio de Janeiro, na Casa Um, Botafogo, acompanhado de exposição fotografia do autor e intervenção pública com fotografias, abordando o tema da transitoriedade da memória. - Lançamento em Campos de Jordão, no Encontro Nacional de Cicloturismo, seguido de palestra sobre “Publicações Independentes” - Lançamento em São Bento do Sapucaí, no Mountain Festival - Palestra sobre viagens de bicicleta, literatura e qualidade de vida, no Itapeti Festival, Mogi das Cruzes - Oficina “Registro e Memória: os relatos de viagem e a ficção”, Festival Internacional de Literatura da Mantiqueira. - Participação no Sarau da Escola Estadual Prof. Francisco de Souza Mello com leitura de trechos do livro e conversa sobre o processo criativo para os alunos. Os lançamentos previstos para o ano de 2020, em Salvador, Belo Horizonte, Foz do Iguaçu e São Paulo foram cancelados por conta de pandemia de corona- vírus. Assim como outras atividades previstas em escolas da região. A doação de livros para estas escolas é uma contrapartida deste projeto.
    O projeto foi realizado (livro escrito) em Mogi das Cruzes e finalizado em 2019. As características do suporte/ mídia permitem que circule com facilidade nas escolas, bibliotecas, centros comunitários e culturais da cidade, do centro a periferia. Como contrapartida deste projeto está prevista a doação de setenta exemplares do livro além da gravação de um vídeo contando um pouco sobre a história das viagens que inspiraram a narrativa e sobre o processo de criação do livro, para ser usado como material de apoio na impossibilidade de conversas presenciais como a ocorrida, por exemplo, na Escola Prof. Francisco de Souza Mello e citada na resposta anterior.
    A democratização do acesso aos produtos culturais é fundamental na produção de uma sociedade mais justa e igualitária. Desde o início do desenvolvimento do projeto, houve uma preocupação em facilitar o acesso ao livro a quem não pudesse compra-lo. Adotamos como prática a venda com desconto de 50% para alunos das escolas públicas. Além disso, como indicaremos na contrapartida, havíamos previsto a doação dos exemplares para as escolas, bibliotecas, centros culturais e centros comunitários da cidade. Apesar de todas as especificidades do suporte/ mídia (livro) e das dificuldades e limitações característicos da sua distribuição, acreditamos que tais medidas facilitem o acesso a obra, contribuindo para a democratização da cultura e suas consequências.
    O Livro foi lançado em agosto de 2019 e teve sua programação de lançamento comprometida por conta da pandemia de corona-vírus. Até a interrupção das atividades, haviam sido realizados 9 eventos de lançamento, em várias cidades e estados, todos seguidos de palestras, debates ou oficinas.

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